segunda-feira, 30 de junho de 2014

Cuidados com os Contratos de Gaveta



Quando adquirimos um imóvel, é necessário que a transação seja feita através de escritura pública, lavrada em cartório, para depois, ser registrado no cartório de imóveis.

O art. 108 do Código Civil dispõe que a escritura pública é essencial aos atos relativos aos bens imóveis com valor superior a trinta vezes o salário mínimo.

“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.”

O registro no Cartório de Imóveis é, dessa forma, como um sinal exterior, ou meio legal de publicidade, em garantia dos direitos com relação aos seus titulares e à validade de seus efeitos, relativamente a terceiros.

Assim, o princípio da publicidade justifica-se facilmente pela necessidade de dar a conhecer à coletividade a existência dos direitos reais sobre imóveis, uma vez que ela tem de respeitá-los. Quando duas pessoas ajustam uma relação real imobiliária, esta transpõe o limite dual e atinge a coletividade por exigir a observância geral (erga omnes).

Apesar isso, é prática comum a compra de imóvel com o chamado contrato de gaveta. Como o próprio nome diz, é um contrato não oficial, que somente tem existência perante as partes, comprador e vendedor, e, por isso traz riscos evidentes.

Entre outras situações, o proprietário antigo poderá vender o imóvel a outra pessoa, o imóvel pode ser penhorado por dívida do antigo proprietário, o proprietário antigo pode morrer e o imóvel ser inventariado e destinado aos herdeiros.

Além disso, o próprio vendedor poderá ser prejudicado, caso o comprador fique devendo taxa condominial ou impostos do imóvel, pois estará sujeito a ser acionado judicialmente em razão de ainda figurar como proprietário do imóvel.

Por problemas assim, o contrato de gaveta é causa de milhares de processos nos tribunais, uma vez que 30% dos mutuários brasileiros são usuários desse tipo de instrumento.

A Caixa Econômica Federal considera essa modalidade de contrato irregular porque, segundo o artigo 1º da Lei 8.004/90, alterada pela Lei 10.150/00, o mutuário do Sistema Financeiro de Habitação tem que transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato. Exige-se que a formalização da venda se dê em ato concomitante à transferência obrigatória na instituição financiadora.

Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido, em diversos julgados, a possibilidade da celebração dos contratos de gaveta, uma vez que considera legítimo que o cessionário do imóvel financiado discuta em juízo as condições das obrigações e direito assumidos no referido contrato.

Validade de quitação

O STJ já reconheceu, por exemplo, que se o contrato de gaveta já se consolidou no tempo, com o pagamento de todas as prestações previstas no contrato, não é possível anular a transferência, por falta de prejuízo direto ao agente do SFH. Para os ministros da 1ª Turma, a interveniência do agente financeiro no processo de transferência do financiamento é obrigatória, por ser o mútuo hipotecário uma obrigação pessoal, que não pode ser cedida, totalmente ou em parte, sem concordância expressa do credor.

No entanto, quando o financiamento já foi integralmente pago, com a situação de fato plenamente consolidada no tempo, é de se aplicar a chamada “teoria do fato consumado”, reconhecendo-se não haver como considerar inválido e nulo o contrato de gaveta (conforme julgamento do Recurso Especial 355.771).

Em outro julgamento, o mesmo colegiado destacou que, com a edição da Lei 10.150, foi prevista a possibilidade de regularização das transferências efetuadas até 25 de outubro de 1996 sem a anuência da instituição financeira, desde que obedecidos os requisitos estabelecidos (Recurso Especial 721.232).

“Como se observa, o dispositivo em questão revela a intenção do legislador de validar os chamados ‘contratos de gaveta’ apenas em relação às transferências firmadas até 25 de outubro de 1996. Manteve, contudo, a vedação à cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do SFH, sem a intervenção obrigatória da instituição financeira, realizada posteriormente àquela data”, afirmou o relator do caso, o então ministro do STJ Teori Zavascki, hoje no Supremo Tribunal Federal.

No julgamento do Recurso Especial 61.619, a 4ª Turma do STJ entendeu que é possível o terceiro, adquirente de imóvel de mutuário réu em ação de execução hipotecária, pagar as prestações atrasadas do financiamento habitacional, a fim de evitar que o imóvel seja levado a leilão.

Para o colegiado, o terceiro é diretamente interessado na regularização da dívida, uma vez que celebrou com os mutuários contrato de promessa de compra e venda, quando lhe foram cedidos os direitos sobre o bem. No caso, a turma não estava discutindo a validade, em si, do contrato de gaveta, mas a quitação da dívida para evitar o leilão do imóvel.


Diante dos riscos representados pelo contrato de gaveta, o melhor é regularizar a transferência, quando possível, ou ao menos procurar um escritório de advocacia para que a operação de compra e venda seja ajustada com o mínimo de risco para as partes contratantes.

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