Quando adquirimos um imóvel, é necessário que a transação seja feita através de escritura pública, lavrada em cartório, para depois, ser registrado no cartório de imóveis.
O art. 108 do Código Civil dispõe que a escritura
pública é essencial aos atos relativos aos bens imóveis com valor superior a
trinta vezes o salário mínimo.
“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a
escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à
constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no
País.”
O registro
no Cartório de Imóveis é, dessa forma, como um sinal exterior, ou meio legal de
publicidade, em garantia dos direitos com relação aos seus titulares e à
validade de seus efeitos, relativamente a terceiros.
Assim, o
princípio da publicidade justifica-se facilmente pela necessidade de dar a
conhecer à coletividade a existência dos direitos reais sobre imóveis, uma vez
que ela tem de respeitá-los. Quando duas pessoas ajustam uma relação real
imobiliária, esta transpõe o limite dual e atinge a coletividade por exigir a
observância geral (erga omnes).
Apesar isso, é prática comum a compra de imóvel com
o chamado contrato de gaveta. Como o próprio nome
diz, é um contrato não oficial, que somente tem existência perante as partes,
comprador e vendedor, e, por isso traz riscos evidentes.
Entre outras situações, o proprietário antigo
poderá vender o imóvel a outra pessoa, o imóvel
pode ser penhorado por dívida do antigo proprietário, o proprietário antigo
pode morrer e o imóvel ser inventariado e destinado aos herdeiros.
Além disso, o próprio vendedor poderá
ser prejudicado, caso o comprador fique devendo taxa condominial ou impostos do
imóvel, pois estará sujeito a ser acionado judicialmente em razão de ainda
figurar como proprietário do imóvel.
Por problemas assim, o contrato de
gaveta é causa de milhares de processos nos tribunais, uma vez que 30% dos
mutuários brasileiros são usuários desse tipo de instrumento.
A Caixa Econômica Federal considera
essa modalidade de contrato irregular porque, segundo o artigo 1º da Lei
8.004/90, alterada pela Lei 10.150/00, o mutuário do Sistema Financeiro de
Habitação tem que transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes
do respectivo contrato. Exige-se que a formalização da venda se dê em ato
concomitante à transferência obrigatória na instituição financiadora.
Apesar disso, o Superior Tribunal de
Justiça tem reconhecido, em diversos julgados, a possibilidade da celebração
dos contratos de gaveta, uma vez que considera legítimo que o cessionário do
imóvel financiado discuta em juízo as condições das obrigações e direito
assumidos no referido contrato.
Validade de quitação
O STJ já reconheceu, por exemplo, que
se o contrato de gaveta já se consolidou no tempo, com o pagamento de todas as
prestações previstas no contrato, não é possível anular a transferência, por
falta de prejuízo direto ao agente do SFH. Para os ministros da 1ª Turma, a
interveniência do agente financeiro no processo de transferência do
financiamento é obrigatória, por ser o mútuo hipotecário uma obrigação pessoal,
que não pode ser cedida, totalmente ou em parte, sem concordância expressa do
credor.
No entanto, quando o financiamento já
foi integralmente pago, com a situação de fato plenamente consolidada no tempo,
é de se aplicar a chamada “teoria do fato consumado”, reconhecendo-se não haver
como considerar inválido e nulo o contrato de gaveta (conforme julgamento do
Recurso Especial 355.771).
Em outro julgamento, o mesmo
colegiado destacou que, com a edição da Lei 10.150, foi prevista a
possibilidade de regularização das transferências efetuadas até 25 de outubro
de 1996 sem a anuência da instituição financeira, desde que obedecidos os
requisitos estabelecidos (Recurso Especial 721.232).
“Como se observa, o dispositivo em
questão revela a intenção do legislador de validar os chamados ‘contratos de
gaveta’ apenas em relação às transferências firmadas até 25 de outubro de 1996.
Manteve, contudo, a vedação à cessão de direitos sobre imóvel financiado no
âmbito do SFH, sem a intervenção obrigatória da instituição financeira,
realizada posteriormente àquela data”, afirmou o relator do caso, o então
ministro do STJ Teori Zavascki, hoje no Supremo Tribunal Federal.
No julgamento do Recurso Especial
61.619, a 4ª Turma do STJ entendeu que é possível o terceiro, adquirente de
imóvel de mutuário réu em ação de execução hipotecária, pagar as prestações
atrasadas do financiamento habitacional, a fim de evitar que o imóvel seja
levado a leilão.
Para o colegiado, o terceiro é
diretamente interessado na regularização da dívida, uma vez que celebrou com os
mutuários contrato de promessa de compra e venda, quando lhe foram cedidos os
direitos sobre o bem. No caso, a turma não estava discutindo a validade, em si,
do contrato de gaveta, mas a quitação da dívida para evitar o leilão do imóvel.
Diante dos riscos representados pelo
contrato de gaveta, o melhor é regularizar a transferência, quando possível, ou
ao menos procurar um escritório de advocacia para que a operação de compra e
venda seja ajustada com o mínimo de risco para as partes contratantes.
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