sexta-feira, 6 de junho de 2014

Quando o sonho da casa própria vira um pesadelo

O mercado da construção civil cresceu muito, e, o sonho de adquirir a casa própria ficou menos distante em razão da existência de grande demanda reprimida, advento da alienação fiduciária de bem imóvel e do Sistema de Financiamento Imobiliário, política de incentivo e facilitação de acesso ao crédito e a elevação do poder econômico da população em geral.

Ocorre que esse vertiginoso crescimento evidenciou uma série de práticas contrárias aos direitos dos adquirentes, tal como a cobrança compulsória por serviços de corretagem e assessoria técnica, estabelecimento de multa contratual apenas em face do adquirente ou, então, de multas iniquas contra as incorporadoras, instituição de mandato com poderes exacerbados, entre tantas outras.

A par de tantas irregularidades, aquela que realmente parece capaz de tirar o adquirente do (sempre cômodo) estado de inércia, em busca do Poder Judiciário, é o atraso na entrega das chaves, sobretudo quando superado o chamado “prazo de tolerância”, que nada mais é do que um período, estabelecido nos contratos padronizados de praticamente todas as incorporadoras, somado ao prazo de vencimento da obrigação. Geralmente esse prazo não ultrapassa cento e oitenta dias e tem sido aceito pela jurisprudência como válido, justamente por conta das diversas variantes que podem atuar sobre uma obra.

Em razão disso, tem sido cada vez mais frequente a procura do Poder Judiciário por adquirentes de (futuras) unidades autônomas, compromissadas à venda pelo incorporador, nos termos do artigo 29, da Lei 4.591/64.

A Constituição Federal, em seu artigo 6º, assegura o direito à moradia, cabendo ao Poder Público dispor sobre a regulamentação, fiscalização e controle. Sendo o Poder Judiciário parte do Poder Público.

“Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”

A responsabilidade pelos problemas de atraso na entrega do imóvel adquirido, pelo descumprimento com o que restou avençado e contratado, gera danos emergentes e lucros cessantes aos adquirentes, em conformidade com o que dispõe os artigos 186, 389 e 402, do Código Civil:

“Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

“Art. 389 - Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado."

"Art. 402 - Salvos as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar."

A inquestionável entrega atrasada induz a uma conclusão tardia da obra e o eminente Professor Hely Lopes Meirelles, em sua obra O Direito de Construir, ensina, "in verbis":

"A responsabilidade específica do construtor, pela execução da obra, surge com a celebração do contrato de construção e só termina com o fiel cumprimento do ajuste e entrega da obra perfeita, sólida e segura. (omissis)

E, ainda:

"Encontra-se o construtor em descumprimento contratual quando: a) (omissis) Mas, ainda que a obra esteja pronta, havendo "a falta das qualidades essenciais para o uso normal ou das essenciais descritas no contrato, será motivo suficiente para qualificar a inexecução como própria ou absoluta.  b) Executa defeituosamente a obra. Esta é uma forma de inexecução imprópria, posto que o construtor executou a obra, mas não obedeceu às cláusulas estipuladas no contrato ou deixou de atender aos princípios básicos da arte de construir." (LEITE, Iolanda Moreira. Responsabilidade Civil - Doutrina e Jurisprudência. Editora Saraiva. 1984. pág. 134)

DA RELAÇÃO DE CONSUMO EXISTENTE ENTRE AS PARTES.

A relação entre construtora e adquirente é de consumo, tendo em vista que a construtora é fornecedora do produto (unidade condominial) ao passo que o adquirente é destinatário final do mesmo, donde temos presente a definição de fornecedor e consumidor expostas nos artigos 2° e 30 do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, os adquirentes estão protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, em especial pelos Artigos 2º, 6º, inciso VIII, 18, inciso II do parágrafo 1º, 30, 31, 35 e 39, inciso V, os quais transcrevo abaixo:

“Art. 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

“Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.

“Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;”

“Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.”

“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”

“Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I _ exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos."

“Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”


Fica evidente, assim, que as construtoras estão obrigadas a cumprir com prometido, ou seja, entregar a unidade adquirida no prazo estabelecido.

DO CONTRATO DE ADESÃO E A REGÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Os contratos disponibilizados pelas construtoras já tem cláusulas pr-e estabelecidas, não podendo, suas cláusulas serem alteradas, o conhecido Contrato de Adesão.

O contrato de adesão, segundo a pesquisadora belga Françoise Domont-Naert, em tradução da Procuradora de Justiça do Rio de Janeiro, Dra. Maria Henriqueta A. Fonseca Lobo:

"constitui aquele cujo conteúdo foi total ou parcialmente estabelecido de modo arbitrário e geral anteriormente ao período contratual. Caracteriza-se pela ausência de negociação individual prévia em vista do acordo das vontades. Apresenta-se, na maioria das vezes, sob a forma de condições gerais ou individuais estabelecidas unilateralmente por uma das partes..."

Importante observar, segue a autora

"que o contrato de adesão, como tal, não é considerado abusivo. Ele corresponde a uma estandardização necessária das relações comerciais na qual a negociação individualizada dos termos do contrato dificilmente encontra seu lugar. O abuso não resulta do fato que o consumidor é obrigado a aderir a este ou aquele texto pré-impresso, mas, efetivamente, do conteúdo eventual de uma convenção de cuja redação ele não participou, e que ele não poderá modificar, visto a relação de forças existentes entre as partes confrontadas, e que provavelmente ele encontrará uniformizada no setor respectivo. A abusividade de cláusulas, adianta a autora, cria, em detrimento do consumidor, um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato. E há abuso quando o consumidor sofreu um prejuízo desproporcionado resultante, diretamente, de um desequilíbrio flagrante entre os direitos e os deveres recíprocos dos parceiros da relação. Daí a qualificação desta lesão em qualificada, e, uma vez verificada, o contrato fica eivado de vício insanável, acarretando a nulidade absoluta, eis que constitui culpa in contrahendo o fato de se comportar para com o contratante de contrária à boa-fé".

Na concepção da jurista Cláudia Lima Marques

“aquele cujas cláusulas são preestabelecidas  unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, isto é, sem que  o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito”.

O contrato de adesão caracteriza-se por permitir que seu conteúdo seja pré construído por uma das partes, eliminada a livre discussão que precede normalmente à formação dos contratos.

Orlando Gomes, inclusive, fazia distinção entre contrato de adesão e contrato por adesão.

Distinção que é feita a partir não do modo de consentir, que se mostra insuficiente, porque abrangente, mas de outras peculiaridades, tais como a uniformidade e a abstratividade das cláusulas pré-constituídas unilateralmente.

Assim, nos contratos de adesão se incluiriam aqueles em que o contratante aderente não tem qualquer possibilidade de rejeitar as cláusulas uniformes estabelecidas previamente.

Ainda importante o pronunciamento do jurista Carlos Alberto Bittar nos dá uma clara noção desta proteção contratual:

“A propósito o direito codificado delimita o alcance dos contratos de adesão e proíbe a inserção de certas cláusulas, que considera abusivas, declarando-as não escritas, e portanto de nenhum efeito vinculatório, a saber: as limitativas e as elisivas de responsabilidade do disponente, as de transferência de responsabilidades a terceiros, as contemplativas de obrigação iníquas ou abusivas, as de intervenção de ônus da prova, as de indicação previa de árbitros”.

Conhecido na doutrina e na jurisprudência, o contrato de adesão, recebeu, pela primeira vez no Brasil, tratamento legislativo ao ser identificado no Código de Defesa do Consumidor no artigo 54.

“Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”

Portanto, o contrato de adesão surge como necessidade de o Direito adequar-se às exigências econômicas e sociais, compatíveis com a modernidade da economia de escala, produção em série, consumo em massa, pressa do agir dos sujeitos envolvidos nas transações.

Deixada para trás a fase em que os contratantes se reuniam para discutir cláusula a cláusula até formação definitiva da avença. 

Ao consenso opõe-se agora a aderência, ao contrato de comum acordo, o contrato de adesão, ficando as cláusulas ao encargo unilateral de uma das partes, no caso, o fornecedor a estabelecê-las previamente.

Trata-se de método de conclusão de contrato que subverte o modo normal de formação dos atos negociais, refletindo-se necessariamente em novos métodos de interpretação dos contratos e de manuseio de suas cláusulas. Por outro lado, o contrato de adesão não se confunde com as chamadas cláusulas gerais do contrato, embora com elas traga traços muito íntimos.

Enquanto as cláusulas gerais de contratação constituem conjunto de regras ou normas, identificadas terminologicamente como regulamentos internos, estatutos, normas de serviços, servindo de fonte para a realização das avenças, os contratos de adesão passam a ser a concretização dessas cláusulas contratuais gerais.

Possuindo o contrato firmado entre as partes nítido caráter adesivo e encerrando relação de consumo, aplicasse-lhe toda a sistemática protetiva consagrada pela Lei 8.078/90, especialmente as normas dos artigos 46, 54 e seguintes, devendo assim, as cláusulas contratuais ser interpretadas da maneira mais benéfica àquele que aderiu, seguindo a regra de hermenêutica informadora do principio “benefica amplianda, odiosa restringenda”.

E conforme o mesmo julgado anteriormente transcrito, em seu item “C”, em tal caso não deve prevalecer a clausula de eleição, ou seja:

“c) se, se tratar de contrato de obrigatória adesão, assim entendido o que tenha por objeto produto ou serviço fornecido com exclusividade por determinada empresa”


DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ PARA O EQUILÍBRIO CONTRATUAL

O Código de Defesa do Consumidor introduziu dois princípios elementares do novo direito dos contratos, os princípios da boa fé e da justiça contratual. Modernamente, o contrato não é mais visto como algo estático e individual, mas como algo dinâmico e social, necessário para o comércio jurídico e satisfação de interesses legítimos. Com essa nova perspectiva relativiza-se o princípio “pacta sunt servanda” e abrindo-se espaço para a justiça contratual, a tutela da confiança e a boa fé.

O contrato, então, deve ser o instrumento de necessidades individuais e coletivas, não para a supremacia de um contratante sobre o outro ou para que esse enriqueça às custas daquele.

Destarte que o princípio da boa-fé exerce função importante no trato dos chamados contratos de adesão, tal qual é o contrato firmado entre as partes, pois é justamente neste tipo de ajuste onde costumam aparecer os maiores abusos, pelo fato de o aderente ora consumidor não ter o poder de alterar substancialmente o conteúdo contratual.

A sociedade de consumo impõe o modo de contratação em massa, que se expressa, principalmente, em nossos dias, por tais tipos de contratação, nos quais o contratante adere às cláusulas "em bloco", sem discussão das mesmas justamente pelo fato do contratante não poder estipular o conteúdo do contrato, é que a boa-fé, nessa modalidade de contrato, deve ser analisada sob o ângulo objetivo.

Não há como se analisar a real vontade dos contratantes em um contrato de adesão. Não se pode saber o que se passa no íntimo deles no momento de contratar. Sobre a boa-fé objetiva, bem escreveu Cláudia Lima Marques

Efetivamente, o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui uma dupla função na nova teoria contratual:

I) como fonte de novos deveres anexos; e

2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos".

A primeira função do princípio da boa-fé objetiva na nova concepção de contrato diz respeito aos chamados, pelos alemães, “Nebenpflichten” (deveres anexos ou secundários). Os deveres anexos representam aqueles deveres que não estão expressos no contrato, não são deveres, por assim dizer, que as partes possam "visualizar". Poder-se-ia dizer que são eles deveres implícitos em um contrato bancário.

Os deveres anexos não dizem diretamente com a vontade.

Eles estão intimamente ligados com a boa-fé objetiva, desvinculando-se completamente da análise da volição das partes.

De acordo com Clóvis de Couto e Silva estes deveres

"podem nascer e desenvolver-se independentemente da vontade."

A segunda função, ou seja, a boa-fé objetiva atuando como limitadora do exercício abusivo dos direitos subjetivos, é função de extrema valia no âmbito da teoria contratual moderna, uma vez que, com o desaparecimento cada dia maior da liberdade de contratar, para a parte débil da relação contratual, a parte economicamente mais forte como a requerida exerce abusivamente seu direito subjetivo de contratar, fazendo-o sem quaisquer limitações (Princípio da autonomia da vontade) e violando regras estipuladas nos contratos celebrados. 

É neste sentido que leciona Luis Renato Ferreira da Silva, considerando que

"a regra da boa-fé objetiva implica numa série de efeitos que podem ser esquematicamente resumidos: a) no controle corretivo do Direito estrito, b) no enriquecimento do conteúdo da relação obrigacional; e c) na negação em face do postulado pela outra parte. Todos estes efeitos se produzem a partir de critérios objetivo e não baseados na subjetividade do intérprete e do aplicador da lei. “

É importante que se tenha presente a noção de boa-fé dentro de critérios objetivos. Procurando a boa-fé nas intenções subjetivas dos contratantes, entraríamos dentro do campo da moral interna destes, local onde estão localizados sentimentos de difícil medida e constatação por terceiros.

Além disso é incompreensível a mensuração da boa-fé subjetiva dentro de um contrato bancário, normalmente de adesão, impessoais e aplicados em massa, onde não se concebe uma instituição financeira  com conflitos morais internos. 

Assim, uma grande inovação do Código de Defesa do Consumidor, talvez a mais importante, foi sem dúvida alguma, a inserção da regra geral sobre a boa-fé.

Assim como o §242 do BGB alemão, e o art. 1134 do CODE, os arts. 4º, III, e 51, IV, da Lei 8.078/90, são verdadeiras cláusulas gerais sobre a boa-fé, pelas quais o Direito Brasileiro há muito tempo clamava, com a devida “venia”:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;”

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;”

No que tange ao princípio da boa fé temos também o ensinamento de Renata Mandelbaum onde

“assim, através da aplicação dos princípios que regem a nova realidade contratual, busca-se a segurança jurídica, mas não através da liberdade contratual, onde imperava a supremacia da "palavra dada" (pacta sunt servanda), mas através da tutela da confiança e da boa fé, banhados pelo princípio da justiça contratual”.

O professor Clóvis do Couto e Silva, afirma que:

“Quando num código não se abre espaço para um princípio fundamental, como se fez com o da boa-fé, para que seja enunciado com a extensão que se pretende, ocorre ainda assim a aplicação por ser o resultado de necessidades éticas essenciais, que se impõe ainda quando falta disposição legislativa expressa”.

Também neste sentido temos a Professora Olga Maria do Val onde anota que:

"Com o advento do Código do Consumidor, o princípio da boa-fé, de regra de interpretação, de princípio jurídico aplicável como fonte de direito, subsidiariamente portanto, foi elevado a categoria de norma jurídica (norma princípio).

A partir de agora, é norma posta, de observância obrigatória, cogente (a teor do art. 1º da Lei 8.078/90)".

O resultando, em decorrência desse dispositivo, é que a boa-fé

"deixa de ser elemento subjetivo nas relações jurídicas, e passa a ser elemento objetivo, ou seja, de apuração obrigatória na formação dessas relações jurídicas (a não ser nas hipóteses de responsabilidade objetiva, sem culpa), de vez que foi erigida (a boa-fé) à categoria de norma princípio.

Com efeito, dispõe o inc. IV do art. 51, da Lei 8.078/90, que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que sejam incompatíveis com a boa-fé".

Ora, tal condição consagra o princípio da boa-fé como de eficácia plena, pois que sem qualquer efeito - absoluta nulidade - quando as cláusulas contratuais o contrariarem.

DOS DANOS MATERIAIS

Conforme acima demonstrado, a impontualidade na entrega do imóvel causa danos materiais ao adquirente.

Nesta esteira, Rui Stoco (Responsabilidade Civil - 4a Edição, Editora RT, pg. 59), ao definir responsabilidade civil diz que

"vem do latim responder, responder alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém por atos danosos".

Silvio Rodrigues (Direito Civil, Volume 5, n.o 7) enfatiza que o princípio informador de toda a responsabilidade é aquele que impõe

"a quem causa dano o dever de reparar".
  
E, ainda, Salvatier (Traité de Ia Responsabilité Civile, Volume 1, no 1), apresenta uma definição assentada na

"obrigação que pode incumbir a uma pessoa de reparar o dano causado a outrem por um fato seu, ou pelo fato das pessoas ou das coisas dependentes dela".

Todos os citados apontamentos são enfáticos em afirmar que aquele que causa dano a outrem tem o dever de reparar o dano.

Ademais, o conceito de ato ilícito e de responsabilidade do Código Civil brasileiro serve de paradigma ao presente caso. Assim, estabelece o artigo 186 (correspondente ao artigo 159, 1ª parte do Código Civil de 1916)

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

O artigo 927, caput (correspondente ao artigo 159 do Código Civil de 1916), por sua vez, estatui que:

"Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. "

Também é flagrante o direito dos adquirentes aos lucros cessantes ante o notório prejuízo causado pelo atraso na entrega do apartamento, pois ficaram privados de utilizaram o imóvel novo, e de locar o imóvel em que estavam residindo ou de ter realizado negócio imobiliário de venda ou troca.

O fato é que com todo o atraso ficaram impossibilitados de tornar rentável o bem e de usufruírem do apartamento que adquiriram.

E se estivessem os adquirentes pagando aluguel? A situação é idêntica.

Normalmente as propagandas veiculadas pelas construtoras as obriga a cumprir o prometido conforme estabelece o art. 30, da Lei n.º 8.137/90 (Código de Proteção ao Consumidor), que preceitua:

"Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."

O Contrato de Compra e Venda elaborado entre a construtora e o adquirente, com cláusulas que caracterizam o imóvel, estabelecem valores e condições, gera o nexo de causalidade necessário para responsabilizar a parte faltante pelos danos advindos do descumprimento, ou cumprimento defeituoso do mesmo, surgindo, dessa forma, a nítida obrigação de indenizar.

Em seu comentário sobre o atraso na entrega da obra e da responsabilidade do construtor, publicado na edição de 06/11/95, pág. 22, do Jornal Gazeta do Povo, o Juiz Lauro Laertes de Oliveira enuncia:

"Frequentemente nos tribunais ações de indenização promovidas por adquirentes de imóveis em construção, principalmente apartamentos ou do dono da obra na construção por empreitada, quando o proprietário do terreno contrata o construtor para realizar determinada obra e a discussão gira em torno do atraso na entrega da mesma. Vale dizer, o descumprimento do contrato neste aspecto por parte do construtor.

Indubitável o direito do adquirente de imóvel em construção ou do dono da obra - na construção por empreitada - em haver os danos suportados pelos atrasos na entrega da obra e de responsabilidade do promitente vendedor ou construtor.

O art. 389 do Código civil edita: "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado."

O atraso na entrega traz prejuízos ao adquirente do imóvel ou dono da obra, considerando que se recebesse na data aprazada deixaria de pagar aluguel ou obteria rendimento com o imóvel, se o intuito fosse efetuar locação. Daí evidente o direito de pleitear indenização correspondente ao valor do aluguel que vem pagando a terceiro ou do valor do aluguel que obteria com a locação do novo imóvel, conforme o caso."

Corrobora a jurisprudência específica:

"AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO - CONTRATO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - apartamento adquirido pelos autores da Construtora Ré - Autos de antecipação de provas (em apenso) esclarecendo a extensão dos defeitos graves na obra nova. Responsabilidade pela mora contratual atribuída à Ré, que procedeu a entrega das chaves com 7 (sete) meses de atraso - Ação procedente - Recurso desprovido." (Ac. n.º 10713 - 1ª Câm. Cível - Des. Carlos Raitani, un. - julg. em 26/10/94).

"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ATRASO NA ENTREGA DE APARTAMENTO COMPROMISSADO À VENDA - CASO FORTUITO OU DE FORÇA MAIOR NÃO COMPROVADO - PEDIDO PROCEDENTE - APELAÇÃO DESPROVIDA. Se a construtora, na condição de promitente vendedora, comprometeu-se a entregar o imóvel em julho de 1990 e não o fez, alegando em sua defesa a ocorrência de caso fortuito ou motivo de força maior, incumbe a ela o ônus da prova desse fato impeditivo ou modificativo do direito do autor (art. 333, II do CPC). Todavia, como não produziu prova satisfatória nesse sentido e as chaves do apartamento só foram entregues em agosto de 1992, impunha-se a procedência do pedido indenizatório correspondente ao período de atraso, em que o compromissário comprador ficou privado de sua utilização, pelo que se nega provimento ao recurso. " (Tribunal de Alçada do Paraná, Ac. n.º 10028 - 2ª Câm. Cível - Juiz Domingos Ramina - un. - julg. em 23/02/94.

DOS DANOS MORAIS

Os artigos 186 e 927 supra citados preveem a possibilidade daquele que, por ato ilícito, prejudicar outrem, ficar obrigado a reparar o dano, ainda que este tenha sido de ordem moral.

A Constituição Federal Brasileira prevê, ainda:

"Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. "

Acerca do conteúdo jurídico do dano moral indenizável, ensina-nos Sílvio de Salvo Venosa:
  
"Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. Nesse campo o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bonus pater famílias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. O sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante do comportamento humano universal.

(...)

Do ponto vista estrito, o dano imaterial, isto é, não patrimonial, é irreparável, insusceptível de avaliação pecuniária porque é incomensurável. A condenação em dinheiro é mero lenitivo para a dor, sendo mais uma satisfação do que uma reparação (Cavalieri Filho, 2000: 75). Existe também cunho ounitivo marcante nessa modalidade de indenização, mas que não constitui ainda, entre nós, o aspecto mais importante da indenização, embora seja altamente relevante."
  
Nestes casos, os danos morais consubstanciam-se pela extrema angústia pela qual passam os adquirentes na época do término do prazo mencionado pelo contrato firmado, para que as construtoras entregassem o imóvel adquirido.

É evidente o sofrimento pelo que passam os adquirentes, para não dizer desespero de estarem pagando, pontualmente, durante anos, as parcelas do imóvel adquirido e verificar que a construtora, por sua vez, não cumprir com o contratualmente prometido.

O desejo pela casa própria é tão grande que faz a pessoa criar enormes expectativas para finalmente possuí-Ia, e, ao se deparar com a nefasta situação de descumprimento do contrato e a impossibilidade de usufruir do que é seu, é inequívoco o dano moral passível de indenização.

Quanto ao critério de fixação da indenização por danos morais, deve ele balizar-se exclusivamente pelos seguintes critérios:

a) reparatório, que visa trazer à vítima um conforto ao trauma que sofreu em razão do dano moral por ela suportado;


b) pedagógico-punitivo, que visa reprimir a conduta praticada pelo ofensor, causando-lhe um gravame patrimonial tamanho que o faça pensar duas vezes antes de tomar a mesma atitude danosa ou, como no caso concreto, tenha mais zelo ao administrar um evento no qual estão envolvidas centenas ou mesmo milhares de pessoas.

Passemos agora a explicitar um pouco os dois aspectos supra citados. No tocante ao aspecto reparatório, é inequívoco que a honra, o íntimo da pessoa não pode ser valorado. Não há dinheiro no mundo que faça uma pessoa esquecer todo o trauma, o sofrimento pelo qual. passou em decorrência do dano moral do qual foi vítima. Esse foi o motivo pelo qual a Doutrina, a Jurisprudência e o Legislador demoraram tanto para admitir pacificamente a indenização por danos puramente morais (o que só foi ocorrer com a Constituição Federal de 1988).

Contudo, em que pese essa impossibilidade de se valorar o anímico das pessoas, é inequívoco que o pagamento de uma importância em dinheiro serve para atenuar o sofrimento pelo qual a vítima passa/tem passado. Isso principalmente pelo fato de que, em uma sociedade cada vez mais capitalista na qual vivemos, na qual o dinheiro acaba tendo um valor exacerbado na vida das pessoas, aquela que foi vítima do dano moral sente-se confortada pelo fato que o seu ofensor foi obrigado a lhe pagar uma justa importância em dinheiro, que certamente lhe fará falta (ao ofensor), em decorrência do ato ilícito que praticou contra ela (vítima). Assim, fica a vítima satisfeita com o fato de seu ofensor ter sido corretamente punido pelo ato ilícito que praticou.

Deve ser ressaltado, agora, o aspecto pedagógico-punitivo da indenização por danos morais, que visa justamente garantir que o ofensor sinta-se coagido a não mais realizar o ato atentatório da honra alheia. Para tanto, a indenização deverá levar em conta a capacidade econômica do ofensor, para que se sinta ele constrangido a não mais realizar dito ato, sob pena da absoluta ineficácia da medida. Isto porque a indenização tem que ser de um valor que efetivamente faça falta ao ofensor, ou seja, deve o ofensor ter que pagar ao ofendido uma importância considerável de seu patrimônio. Afinal, ao pagar uma quantia que para ele é irrisória, não se sentirá ele compelido a deixar de praticar o ato ilícito que ensejou sua condenação em indenização por danos morais. Dessa forma, a capacidade econômica do ofensor deve ser sempre levada em consideração no momento da fixação do valor da indenização por danos morais.

Ilustremos com a seguinte situação: de que adiantaria o dono da Coca-Cola ser condenado a pagar uma indenização de R$ 10.000,00 (dez mil reais)? Essa quantia, que para muitos pode significar um enorme auxílio, para ele certamente não significa absolutamente nada, por se tratar de pessoa milionária. De nada adiantaria ser ele condenado a pagar dita quantia, pois é ela irrisória quando tomado em conta seu patrimônio, o que, consequentemente, não faria com que ele sequer pensasse duas vezes antes de cometer novamente o atentado à honra alheia que gerou a referida indenização.

Ou seja, a indenização por danos morais deve ser fixada em tal monta que faça falta ao ofensor, sem contudo destruir o seu patrimônio, pois, caso contrário, será ela absolutamente inócua, sendo inútil o sentido de educar o ofensor a não mais cometer o ato que a ensejou.

Cumpre aqui apontar que o Direito é composto de uma série de normas gerais e abstratas que somente possuem eficácia através da coercibilidade a elas inerentes. Nesse sentido, uma indenização por danos morais em um valor irrisório não terá nenhuma eficácia por não possuírem um caráter coercitivo capaz de evitar a conduta legalmente proibida (que, no caso, é a vedação do cometimento de afronta à moral alheia).

Assim, a fixação da indenização por danos morais deve ser feita considerando a situação do caso concreto, ou seja, a gravidade do fato ensejador do dano moral deve servir de critério para o juiz fixar o quantum debeatur, J; a condição econômica do ofensor, para que o mesmo não ria da indenização fixada e volte a praticar o ato que ensejou sua condenação a este mister.

Em casos como o tratado aqui, o dano é enorme, pois o sonho da casa própria se tornou um verdadeiro pesadelo.

Assim, sendo um dos parâmetros para se chegar ao valor do dano moral é o de desestimular a prática do ato ilícito que causou e vem causando o dano e o valor a ser arbitrado tem de ser um montante vultoso suficiente para chamar a atenção da requerida.

Observa-se que tal reparação não tem a intenção de produzir enriquecimento à custa do empobrecimento alheio, e sim conceder ao ofendido, uma compensação de cunho satisfativo, no sentido de que se deve reparar o mal causado, concedendo, portanto ao ofendido, meios para procurar satisfações equivalentes às que lhe foram afetadas.

Neste sentido, e por analogia, extraímos de voto da lavra do Desembargador Olavo Silveira, relator da Apelação nº 181.514-1/1, distribuída para a 4ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgada em 11/12/93, que se encarrega de ratificar que a ré cabe a responsabilidade de ressarcir o requerente. Vejamos.

“É imperioso lembrar que o dano moral só se justifica quando o ilícito resulte de ato doloso, em que a carga de repercussão ou perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, se reflita como decorrência ao ato institucional do autor do crime. Tal carga, a evidência, não pode ser encontrada num delito culposo”.

Não importa aqui aquilatar a repercussão material na vida do ofendido e sim o dano que se materializa na agressão à personalidade.

Conforme ensinava Carlos Alberto Bittar:

“Os danos morais plasmam-se, no plano fático, como lesões às esferas da personalidade humana situada no âmbito do ser como entidade pensante, reagente e atuante nas interações sociais, ou conforme os Mazeud, como atentados à parte afetiva e à social da personalidade”.

Fica, assim, demonstrado claramente o desrespeito com que a requerida tratou os direitos da requerente, e, o que ocasionou referida atitude, logo, sua conduta não pode ficar impune em detrimento da Lei e da Justiça.

E a jurisprudência no tocante ao dano moral, orienta que:

“Dano Moral – composição – inconfundível e acumulável com a aquela decorrente ao prejuízo patrimonial, sem o caráter de ressarcimento do segundo mencionado – situação que exige juízo valorativo segundo as peculiaridades do envolvimento das partes – desnecessidade da prova da perda dos valores materiais – fixação econômica que cabe ao juiz proceder – parâmetros que envolvem a oferta de conforto do ofendido e efeitos pedagógicos entre os limites dos bons princípios e igualdade que regem as relações de direito, por sua força, não alcançaria reparação que pode sofrer atualização e incidência de juros moratórios, o que terá como marco inicial à data da prática do ilícito.” (TJSP – Ap. Civ. 177.149-1)
 
“Dano Moral - indenização – arbitramento mediante estimativa prudencial que leva em conta a necessidade de satisfazer a dor da vítima e dissuadir de novo atentado o autor da ofensa” (TJSP – RT 706/67).



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