segunda-feira, 30 de junho de 2014

Cuidados com os Contratos de Gaveta



Quando adquirimos um imóvel, é necessário que a transação seja feita através de escritura pública, lavrada em cartório, para depois, ser registrado no cartório de imóveis.

O art. 108 do Código Civil dispõe que a escritura pública é essencial aos atos relativos aos bens imóveis com valor superior a trinta vezes o salário mínimo.

“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.”

O registro no Cartório de Imóveis é, dessa forma, como um sinal exterior, ou meio legal de publicidade, em garantia dos direitos com relação aos seus titulares e à validade de seus efeitos, relativamente a terceiros.

Assim, o princípio da publicidade justifica-se facilmente pela necessidade de dar a conhecer à coletividade a existência dos direitos reais sobre imóveis, uma vez que ela tem de respeitá-los. Quando duas pessoas ajustam uma relação real imobiliária, esta transpõe o limite dual e atinge a coletividade por exigir a observância geral (erga omnes).

Apesar isso, é prática comum a compra de imóvel com o chamado contrato de gaveta. Como o próprio nome diz, é um contrato não oficial, que somente tem existência perante as partes, comprador e vendedor, e, por isso traz riscos evidentes.

Entre outras situações, o proprietário antigo poderá vender o imóvel a outra pessoa, o imóvel pode ser penhorado por dívida do antigo proprietário, o proprietário antigo pode morrer e o imóvel ser inventariado e destinado aos herdeiros.

Além disso, o próprio vendedor poderá ser prejudicado, caso o comprador fique devendo taxa condominial ou impostos do imóvel, pois estará sujeito a ser acionado judicialmente em razão de ainda figurar como proprietário do imóvel.

Por problemas assim, o contrato de gaveta é causa de milhares de processos nos tribunais, uma vez que 30% dos mutuários brasileiros são usuários desse tipo de instrumento.

A Caixa Econômica Federal considera essa modalidade de contrato irregular porque, segundo o artigo 1º da Lei 8.004/90, alterada pela Lei 10.150/00, o mutuário do Sistema Financeiro de Habitação tem que transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato. Exige-se que a formalização da venda se dê em ato concomitante à transferência obrigatória na instituição financiadora.

Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido, em diversos julgados, a possibilidade da celebração dos contratos de gaveta, uma vez que considera legítimo que o cessionário do imóvel financiado discuta em juízo as condições das obrigações e direito assumidos no referido contrato.

Validade de quitação

O STJ já reconheceu, por exemplo, que se o contrato de gaveta já se consolidou no tempo, com o pagamento de todas as prestações previstas no contrato, não é possível anular a transferência, por falta de prejuízo direto ao agente do SFH. Para os ministros da 1ª Turma, a interveniência do agente financeiro no processo de transferência do financiamento é obrigatória, por ser o mútuo hipotecário uma obrigação pessoal, que não pode ser cedida, totalmente ou em parte, sem concordância expressa do credor.

No entanto, quando o financiamento já foi integralmente pago, com a situação de fato plenamente consolidada no tempo, é de se aplicar a chamada “teoria do fato consumado”, reconhecendo-se não haver como considerar inválido e nulo o contrato de gaveta (conforme julgamento do Recurso Especial 355.771).

Em outro julgamento, o mesmo colegiado destacou que, com a edição da Lei 10.150, foi prevista a possibilidade de regularização das transferências efetuadas até 25 de outubro de 1996 sem a anuência da instituição financeira, desde que obedecidos os requisitos estabelecidos (Recurso Especial 721.232).

“Como se observa, o dispositivo em questão revela a intenção do legislador de validar os chamados ‘contratos de gaveta’ apenas em relação às transferências firmadas até 25 de outubro de 1996. Manteve, contudo, a vedação à cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do SFH, sem a intervenção obrigatória da instituição financeira, realizada posteriormente àquela data”, afirmou o relator do caso, o então ministro do STJ Teori Zavascki, hoje no Supremo Tribunal Federal.

No julgamento do Recurso Especial 61.619, a 4ª Turma do STJ entendeu que é possível o terceiro, adquirente de imóvel de mutuário réu em ação de execução hipotecária, pagar as prestações atrasadas do financiamento habitacional, a fim de evitar que o imóvel seja levado a leilão.

Para o colegiado, o terceiro é diretamente interessado na regularização da dívida, uma vez que celebrou com os mutuários contrato de promessa de compra e venda, quando lhe foram cedidos os direitos sobre o bem. No caso, a turma não estava discutindo a validade, em si, do contrato de gaveta, mas a quitação da dívida para evitar o leilão do imóvel.


Diante dos riscos representados pelo contrato de gaveta, o melhor é regularizar a transferência, quando possível, ou ao menos procurar um escritório de advocacia para que a operação de compra e venda seja ajustada com o mínimo de risco para as partes contratantes.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Quando você pode devolver a compra e ter o dinheiro de volta


Segundo o Código de Defesa do Consumidor, o cliente tem o direito de desistir da compra e receber seu dinheiro de volta.

“Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.”

Para o PROCON-SP, ainda que o cliente possa desistir da compra sem precisar se justificar, a intenção do Código não é dar uma segunda chance ao comprador que agiu por impulso, mas sim protege-lo de ofertas enganosas.

O consumidor deve agir com consciência para não precisar exercitar esse direito, até porque o processo pode ser burocrático. A desistência é uma situação excepcional prevista pelo Código para preservar o cliente que não teve contato direto com o produto, dando a ele o direito de arrependimento ao ver que o produto não era o que ele imaginava.

Na prática, este benefício protege principalmente consumidores que compraram produtos pela internet ou por meio de catálogos.

Para que a devolução do produto seja aceita e o dinheiro restituído, o cliente deve comunicar a empresa sobre a desistência em até 07 (sete) dias. 

Após comunicada a desistência, o produto pode ser devolvido pessoalmente, por correio ou pode ser retirado pela empresa em um endereço informado pelo cliente.

O fornecedor precisa viabilizar meios de realizar a devolução do valor e o retorno do produto.

É recomendável que o consumidor arquive documentos que comprovem que a empresa foi informada sobre a desistência dentro do prazo acima mencionado.

Se a empresa não atender o cliente de forma satisfatória, nesse caso então ele deve entrar em contato com órgãos de defesa do consumidor, como o próprio Procon.

Ainda assim, se o problema não for sanado, o próximo passo então pode ser recorrer à Justiça, por meio dos Juizados Especiais Cíveis, que atendem pequenas causas.

Eles são a via judicial mais indicada porque julgam causas que envolvem valores de até 40 salários mínimos, faixa que compreende a maioria dos conflitos relacionados a compras.

Nos casos em que a compra for feita nas lojas físicas, com contato direto do consumidor com o produto, não há possibilidade de desistir da compra em sete dias por qualquer motivo.

No entanto, segundo o Código de Defesa do Consumidor, independentemente do local da compra, o consumidor pode desistir do contrato em duas situações: quando há vício de produto ou quando a compra caracteriza descumprimento de oferta.

O vício ocorre quando há algum tipo de defeito no produto. Nesse caso, o comprador deve informar o fornecedor sobre o problema e se a empresa não o corrigir em até 30 dias, então o cliente tem o direito de cancelar a compra e receber seu dinheiro de volta imediatamente.

Se preferir, o cliente também pode exigir a substituição por outro produto semelhante, em perfeitas condições de uso.

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

§ 2° Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.

§ 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.

§ 4° Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1° deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1° deste artigo.

§ 5° No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor.

§ 6° São impróprios ao uso e consumo:

I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

Já o descumprimento de oferta é caracterizado quando o produto que foi entregue se mostrou diferente do que foi prometido na venda. 

Segundo o artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor, quando o que foi ofertado não é cumprido, o cliente tem três alternativas: exigir o cumprimento forçado da obrigação nos termos da oferta; aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; ou rescindir o contrato, com direito à restituição do valor pago.

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.”

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Você sabe o que é vício oculto?


Grande parte do número de reclamações relacionadas a produtos - especialmente aqueles considerados duráveis (categoria de bens que têm utilidade durante um grande período de tempo, abrangendo, portanto, os bens de consumo duráveis e os bens de capital. Ex. imóveis, veículos, eletrodomésticos e etc.) - tanto nos órgãos de defesa do consumidor, quanto no Poder Judiciário, são atribuídas a situações envolvendo vícios. 

Mas, afinal, a que este termo se refere?

De acordo com o CDC (Código de Defesa do Consumidor), quando o produto não atinge o fim a que se destina, se encontra com vícios - mais conhecidos como defeitos e avarias decorrentes de sua fabricação, e não do mal uso ou desgaste natural. 

Estes defeitos podem ser: aparentes, ou seja, aqueles que o consumidor consegue identificar assim que inicia a utilização do produto ou  ocultos, que só se manifestam após certo tempo de uso, sendo difícil sua constatação pelo consumidor.

No caso dos vícios aparentes, os fabricantes costumam informar com mais clareza as condições de troca ou assistência dos produtos. Entretanto, quando se trata de vício oculto, fabricantes, vendedores e comerciantes tendem a dizer que as providências em relação ao defeito só poderão ser tomadas durante o período de vigência da garantia.

Mas que garantia seria essa? Aquela concedida pelo Fornecedor, ou aquela prevista no Código de Defesa do Consumidor?

Quanto tratamos de defeitos de fabricação, a própria lei dá um prazo para que o consumidor efetue sua reclamação junto ao fornecedor e exija a reparação do produto defeituoso. A este prazo, damos o nome de garantia legal e será ela que irá ajudar o consumidor na hora de reclamar dos vícios (defeitos), principalmente os ocultos.

Segundo o artigo 26 do CDC, quando estamos diante de um defeito aparente, o prazo para reclamação é de 30 dias para produtos não duráveis (alimentos, produtos de higiene, dentre outros) e 90 dias para os produtos duráveis (móveis, eletrodomésticos, automóveis, etc), contados a partir da data da entrega efetiva do produto ao consumidor. 

Já no caso dos vícios ocultos, os prazos para reclamação serão os mesmos que os acima assinalados, porém, a grande diferença se dará no momento em que estes prazos começam a contar.  Diferentemente dos defeitos aparentes, nos vícios ocultos a própria Lei estipula que os prazos são contados a partir do momento em que o defeito é detectado pelo consumidor.

O CDC se preocupou em fazer essa diferença, pois não se espera que um produto relativamente novo ou ainda mesmo que já usado por um certo tempo apresente defeitos. E para isso, deve o consumidor levar em consideração o tempo médio de vida útil do produto. Por exemplo, não se espera que um produto como um computador ou um tablet funcione somente por um ano (geralmente o prazo de garantia dado pelo fornecedor) e logo após venha a apresentar defeitos.

Além disso, de acordo com o artigo 18 do CDC, no caso de o produto apresentar defeito, o consumidor pode reclamar tanto ao fabricante quanto à loja onde comprou a mercadoria, o que for mais conveniente ao consumidor, tendo em vista a responsabilidade solidária entre eles.

“Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

§ 2° Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.

§ 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.

§ 4° Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1° deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1° deste artigo.

§ 5° No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor.

§ 6° São impróprios ao uso e consumo:

I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

Desta forma, caso o problema apresentado pelo produto seja caracterizado como vício oculto, o consumidor pode e deve reclamar, exigindo ao fornecedor que sane o vício sem qualquer custo adicional ao consumidor.

É preciso estar atento ao prazo para efetuar a reclamação. Caso o consumidor não o faça dentro do prazo, perderá o direito. Vale lembrar, também, que o fornecedor responde pelos vícios ocultos decorrentes da própria fabricação, mas não se responsabiliza pelo desgaste natural provocado pela utilização contínua do produto.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Do Regime de Bens

Os regimes de bens constituem princípios jurídicos que disciplinam as relações econômicas entre os cônjuges enquanto perdura o casamento. São diretrizes que conduzem e regulam as relações pecuniárias que dizem respeito ao patrimônio dos cônjuges.

Sabe-se que o casamento apresenta efeitos jurídicos de duas ordens: uns de caráter pessoal, outros de caráter patrimonial. É com relação a este último aspecto que se encaixa a discussão sobre regime de bens, sendo imprescindível para a convivência financeiramente sadia dos consortes.

O regime de bens é tratado no Código Civil Brasileiro, nos artigos 1639 a 1688.

Salvo exceções, o regime de bens pode ser livremente escolhido pelas partes, que definirão as regras aplicáveis aos patrimônios de marido e mulher.

Convém observar que o regime de bens se mostra de grande importância no momento em que o patrimônio do casal precisa ser dividido, ou seja, no dia em que a convivência entre ambos termina.

É exatamente aqui que tem relevo e ganha destaque a discussão acerca do regime bens. Enquanto o casamento cumpre o fim a que se propõe inicialmente – relação mútua de carinho, companheirismo, fidelidade, compreensão - os cônjuges pouco se preocupam com as implicações financeiras daí decorrentes. Entretanto, quando o relacionamento não mais os interessa e se pretende um rompimento, surgem, aí, com bastante força, discussões financeiras no seio da família.

É muito comum que o “meu bem, meu bem” dos tempos felizes seja substituído pelo “meus bens, meus bens” dos dias de briga. Daí o cuidado que se deve ter com essa escolha do regime de bens.

São essas regras do regime de bens que definirão:

a)          se os bens que você e seu cônjuge já possuíam ao casar passarão a ser comuns aos dois.

b)          ou se cada qual continuará com esses bens como sendo apenas seus, mas os que forem sendo comprados durante o casamento pertencerão em comum aos dois.

c)          ou se tanto esses bens anteriores ao casamento quanto os que forem sendo comprados durante o casamento serão particulares de cada um, em vez de comuns.

d)          ou se todos os bens serão particulares, exceto determinado bem (um imóvel, por exemplo) que pertencerá aos dois, em comunhão.

e)          ou se todos os bens serão comuns, exceto determinado bem, que continuará a ser particular de um dos dois.

Na verdade, são infinitos os regimes de bens. Nossa lei (o Código Civil) apresentou as características dos regimes de bens mais comuns, mas o marido e a mulher são livres para criar seu próprio regime de bens, com regras diferentes daquelas que estão previstas no Código. A única exigência que a lei faz é que esse regime de bens criado pelos dois não viole as disposições legais.

O nosso Código Civil apresenta os seguintes regimes de bens, que já vêm com suas regras prontas:

a)     comunhão parcial;
b)     comunhão universal;
c)     participação final nos aquestos; e
d)     separação de bens.

Vejamos as principais características de cada um deles e sua exata localização no Código Civil.

a)          O Regime da Comunhão Parcial:

O regime da comunhão parcial está tratado nos artigos 1658 a 1666, do Código Civil, e pode ser facilmente caracterizado pelos seguintes aspectos:

1)          os bens que cada um deles já possuía ao casar, continuarão a ser individuais: o que era do marido continuará a ser apenas do marido, e o que era da mulher continuará a ser exclusivamente da mulher.

2)          os bens que forem adquiridos a título oneroso durante o casamento serão de ambos, mesmo que comprados em nome de apenas um deles. Se o marido comprar um carro apenas em seu nome, por exemplo, ainda assim o carro pertencerá a ele e à esposa, em partes iguais.

3)          os bens que forem recebidos por doação ou por herança, durante o casamento, serão exclusivos daquele que os recebeu. Assim, por exemplo, suponha-se que morre o pai da mulher e a mesma recebe a herança: esse patrimônio herdado do pai será exclusivo da mulher, não se comunicando com o patrimônio do marido.

4)          também será exclusivo o bem comprado durante o casamento com o dinheiro da venda de outro bem que era exclusivo. Por exemplo: se a mulher vende por R$ 500.000,00 um imóvel que era exclusivamente dela (porque já o tinha ao casar ou porque recebeu por herança) e com o dinheiro compra outro imóvel, no valor de R$ 400.000,00, esse novo imóvel continuará a ser exclusivo da mulher.

5)          mas se a mulher vendeu esse imóvel exclusivo por R$ 500.000,00 e comprou um outro, no valor de um milhão de reais, em relação a esse novo imóvel ocorrerá o seguinte: metade dele será exclusiva da mulher (porque os 500 mil que eram dela correspondem à metade do valor do bem), e a outra metade será dela e do marido, em partes iguais. Nesse exemplo, portanto, a mulher ficará com 75% do imóvel, e o marido com 25%.

6)          de modo semelhante ao item anterior, se o marido comprou um imóvel financiado, para pagar em 100 prestações, e, na época do casamento, já havia pago 80 parcelas (80% do total), vindo a pagar o restante durante o casamento, nesse caso ocorrerá o seguinte: 80% do imóvel pertencerá exclusivamente ao marido, e os outros 20% serão dos dois, em partes iguais. Neste exemplo, portanto, o marido seria dono de 90% do imóvel, e a mulher seria proprietária de 10%.

7)          os prêmios ganhos em loteria ou sorteio pertencerão aos dois, em comum, ainda que apenas um deles tenha jogado. Suponha-se que o marido, há 20 anos, sempre joga nos mesmos números, nos concursos da loteria. Um belo dia, já casado, a sorte lhe sorri e o bilhete é premiado. Pois bem, esse prêmio pertencerá aos dois, em partes iguais, ainda que só o marido tenha feito o jogo.

8)          uma última regra: pertencem aos dois, em comum, as benfeitorias e os frutos referentes aos bens particulares de cada um deles. Assim, por exemplo, suponhamos que o marido seja o dono exclusivo de um imóvel. Se esse imóvel for alugado, os aluguéis pagos pelo inquilino (os frutos) pertencerão ao marido e à mulher. Da mesma forma, se forem feitas benfeitorias (uma garagem e um banheiro extra, por exemplo) e o imóvel se valorizar, essa valorização será dos dois, do marido e da mulher, embora o imóvel seja apenas dele.

Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.

b)          o Regime da Comunhão Universal:

O regime da comunhão universal está tratado nos artigos 1667 a 1671, do Código Civil. No regime da comunhão universal todos os bens que marido e mulher já possuíam ao casar passarão a pertencer aos dois. Da mesma forma, tudo o que for comprado, recebido em doação ou por herança por um deles também pertencerá aos dois.

Veja-se que são duas as diferenças mais importantes, em relação ao regime da comunhão parcial: em primeiro lugar, os bens anteriores ao casamento serão comuns, o que não ocorre na comunhão parcial; em segundo lugar, mesmo os bens recebidos por doação ou por herança, durante o casamento, serão comuns.

No entanto, existem umas poucas exceções, ou seja, bens que não serão comuns aos dois, podendo-se destacar os bens que sejam doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e as dívidas anteriores ao casamento.

Assim, se ao casar o marido tinha dívidas a pagar, essas dívidas continuarão a ser da responsabilidade exclusiva dele, e por elas não responderá a esposa.

c)          Participação Final nos Aquestos:

O regime da participação final nos aquestos está tratado nos artigos 1672 a 1686, do Código Civil.

Ao longo do casamento os patrimônios não se misturam, e cada um deles, marido e mulher, tem o seu patrimônio individual, formado pelo que já possuía ao casar e pelo que for adquirido durante o casamento.

No entanto, quando a sociedade conjugal terminar (pela morte, pela separação ou pelo divórcio), os bens comprados (adquiridos a título oneroso) durante o casamento passarão a ser comuns aos dois, devendo ser feita a divisão em partes iguais.

Assim, enquanto mantida a sociedade conjugal entre marido e mulher, o regime será semelhante ao da separação, ou seja, os patrimônios são separados, tanto o de antes do casamento quanto o que vier a ser adquirido em sua constância.

No entanto, terminada a sociedade conjugal, os bens que tiverem sido comprados durante o casamento passam a ser de ambos, ainda que comprados em nome de apenas um deles, ou seja, o regime já passa a apresentar semelhança com o da comunhão parcial.

A divisão dos bens, diferente da comunhão parcial, não é feita meio a meio. O cônjuge que participou com mais recursos para comprar uma casa, por exemplo, pode reivindicar para ficar com a maior parte. O cálculo é feito caso a caso, de acordo com o investimento que cada um dos cônjuges fez em cada aquisição durante o casamento (com exceção de heranças ou doações).

d)          o Regime da Separação de Bens:

O regime da separação de bens está tratado nos artigos 1687 a 1688, do Código Civil.

Nesse regime nada se comunica, ou seja, o que o marido e a mulher já possuíam ao casar, continuará a ser de cada um deles, com exclusividade, não se comunicando com o patrimônio do outro.

Da mesma forma, tudo o que for adquirido na constância do casamento, seja por compra, doação ou herança, será exclusivo daquele que adquiriu, não integrando qualquer patrimônio comum.

A única imposição que a lei faz é que os dois, marido e mulher, contribuam para as despesas do casal na proporção dos respectivos rendimentos, a não ser que ajustem de modo diverso, o que poderá ser feito no pacto antenupcial.

Assim, por exemplo, se a mulher ganha o dobro do que recebe o marido, essa mulher deverá concorrer para as despesas do casal com o dobro da participação do marido, a não ser que tenham ajustado outra proporção para as respectivas contribuições.

Existe ainda o Regime Matrimonial da Separação Obrigatória de Bens, previsto no Artigo 1641 do Código Civil

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Neste caso, os cônjuges conservam o domínio e a administração dos bens que constituíam seu patrimônio por ocasião da celebração de seu casamento civil, bem como daqueles que forem adquiridos com o produto da venda desses bens. Nesse regime de bens coexistem dois patrimônios distintos, o dos bens particulares do marido e o dos bens particulares da mulher, cabendo a cada cônjuge administrar seus bens.

A obrigatoriedade de se casarem no regime da separação de bens foi imposta pelo legislador com a finalidade de impedir que um dos cônjuges se case com o intuito meramente especulativo, pensando apenas no patrimônio do outro.

Dos regimes de bens livremente ajustados

Como dito anteriormente, o casal pode ajustar as regras que quiser, não estando limitado pelos regimes de bens que já constam do Código Civil.

Assim, por exemplo, poderá o casal ajustar que os bens móveis adquiridos na constância do casamento serão comuns aos dois, mas que os bens imóveis serão exclusivos do cônjuge que o adquirir. Podem ajustar que os imóveis cujo valor seja superior a determinado limite será comum a ambos, mas que abaixo desse limite será exclusivo do que o tiver adquirido.

Ou, ao contrário, poderão ajustar que os imóveis cujo valor seja superior a determinado limite será exclusivo do que o tiver adquirido, mas que abaixo desse limite será comum a ambos.

A única restrição que marido e mulher terão, nessa ampla liberdade de elaborar as regras do próprio regime de bens, é que não poderão violar as normas legais.

Assim, por exemplo, se o regime de bens for o da comunhão parcial, marido e mulher não poderão ajustar que cada um deles possa vender livremente seus bens imóveis, sem que o outro precise autorizar.

Da mesma forma, não será válido o ajuste no sentido de que um deles estará desobrigado de contribuir para o sustento dos filhos. E assim por diante.

Na realidade, portanto, são tantas as opções que marido e mulher têm para ajustar o próprio regime de bens com as regras peculiares que lhes interessem, que não seria possível listar todas as combinações de regras que eles poderiam ajustar.

Mais importante do que isso é examinarmos como esses regimes de bens podem ser ajustados, sejam os previstos de modo específico no Código Civil, sejam os livremente criados pela vontade do marido e da mulher. É o que passaremos a fazer em seguida.

Para escolher determinado regime de bens, seja um dos que já estão no Código ou seja para criar um regime próprio, marido e mulher devem fazer isso por meio de um contrato. Esse contrato recebe o nome de “pacto antenupcial”, e precisa ser feito mediante escritura pública, caso contrário será nulo.

De modo mais claro, os nubentes, antes do casamento, terão que comparecer perante um tabelião, dizer o que pretendem quanto ao regime de bens, e pedir que isso seja lavrado em escritura pública.

Se o regime de bens for um dos que já se encontram previstos no Código Civil, bastará que os nubentes indiquem o nome que o Código deu a esse regime, sem que sejam necessários maiores detalhes.

Assim, por exemplo, se quiserem adotar o regime da comunhão universal, bastará que do pacto antenupcial conste essa menção à comunhão universal, pois as regras de tal regime já estão especificadas e detalhadas no próprio Código Civil, e por isso não há necessidade de serem repetidas no pacto.

No entanto, se quiserem criar o próprio regime, com suas próprias e específicas regras, nesse caso será necessário que tais regras sejam detalhadas no pacto antenupcial, para que se possa saber com clareza o que os dois pretendem.

Uma vez ajustado esse pacto antenupcial, para que todos possam ter conhecimento do mesmo, deverá ser registrado junto ao Cartório do Registro Imobiliário, pois caso contrário não terá efeitos perante terceiros.

É que dependendo do regime de bens ajustado, isso poderá ter influência na compra e venda de imóvel pertencente a um dos cônjuges, que poderá precisar ou não da autorização do outro; poderá influir no patrimônio que será usado para pagar as dívidas contraídas por um deles, se o patrimônio do casal ou apenas o patrimônio de um dos cônjuges; etc.

Ou seja, há – ou pode haver – interesse de terceiros em saber qual foi o regime de bens escolhido pelo casal, pois essa escolha poderá repercutir em negócios que um dos cônjuges venha a celebrar com esses terceiros.

Se um dos nubentes for menor, o pacto antenupcial deverá ser aprovado pelos pais ou representantes legais, mesmo que já tenham autorizado a realização do casamento. Explicando melhor: os que têm entre 16 e 18 anos, para casar, precisam da autorização dos pais. No entanto, mesmo que essa autorização tenha sido dada, o pacto antenupcial, com a escolha do regime de bens, precisará de outra autorização, específica para o regime de bens.

Se os nubentes não fizerem o pacto antenupcial, ou se o pacto for nulo (por exemplo, se não foi celebrado por escritura pública), então o regime de bens será automaticamente o da comunhão parcial, cujas regras já vimos anteriormente.

Por isso, se os nubentes quiserem ajustar o regime da comunhão parcial, neste caso não precisarão do pacto antenupcial, bastando que, no processo de habilitação para o casamento, que é obrigatoriamente feito perante o oficial do registro civil, informem sobre sua intenção.

Na União Estável, da mesma forma, se os companheiros nada ajustarem em sentido diverso, serão aplicadas as regras do regime da comunhão parcial. A única diferença é que, na união estável, basta o contrato por escrito (que pode ser particular) entre os companheiros, não havendo necessidade de ser feito o pacto antenupcial por escritura pública.

Da mutabilidade do regime de bens

O Código Civil Brasileiro de 2002 inovou ao inserir no ordenamento jurídico a possibilidade da mutabilidade do regime de bens, na constância do casamento, desde que preenchidos os requisitos legais dispostos no parágrafo 3º do artigo 1.639.

a)          vontade de ambas as partes - não se admite a alteração unilateral do regime de bens;

b)          pedido motivado e formalizado ao juiz – devem as partes submeterem-se ao crivo do Poder Judiciário que decidirá por sentença devidamente fundamentada considerando a conveniência da mudança e restringindo a possibilidade de fraudes;

c)          sentença favorável do juiz; e

d)          ressalvados os direitos de terceiros.

Preenchidos esses requisitos, caberá o juiz proferir uma sentença que julgará a procedência das razões apresentadas. O magistrado deve observar a possível existência de fraudes com o intuito de lesar o interesse de terceiros, de forma que a mudança de regime nesse caso não poderá ocorrer. Não poderá, entretanto, o juiz adotar critérios extremamente rígidos para a concessão da medida, sob pena de perder o instituto toda a sua eficácia.

Deve também haver a averbação da decisão no registro de casamento, assim como no registro geral de imóveis na região dos bens envolvidos e do domicílio do casal. Esse registro é para que a decisão possa ser oposta em face de terceiros.

Do Direito a Habitação

Independentemente do regime de bens, está assegurado ao cônjuge sobrevivente, no artigo 1831 do Código Civil, o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado a residência  a família, desde que seja ele o único a se inventariar.

Da União Estável


A união estável é definida pelo artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro, nela, o regime de bens que prevalece é o equivalente ao da comunhão parcial de bens. De acordo com esse regime, os parceiros têm direito, após a separação e o devido reconhecimento judicial da união estável, à metade dos bens adquiridos pelo casal a título oneroso durante o relacionamento.