Os regimes de bens constituem
princípios jurídicos que disciplinam as relações econômicas entre os cônjuges
enquanto perdura o casamento. São diretrizes que conduzem e regulam as relações
pecuniárias que dizem respeito ao patrimônio dos cônjuges.
Sabe-se que o casamento apresenta
efeitos jurídicos de duas ordens: uns de caráter pessoal, outros de caráter
patrimonial. É com relação a este último aspecto que se encaixa a discussão
sobre regime de bens, sendo imprescindível para a convivência financeiramente
sadia dos consortes.
O regime de bens é tratado no Código
Civil Brasileiro, nos artigos 1639 a 1688.
Salvo exceções, o
regime de bens pode ser livremente escolhido pelas partes, que definirão as
regras aplicáveis aos patrimônios de marido e mulher.
Convém observar
que o regime de bens se mostra de grande importância no momento em que o
patrimônio do casal precisa ser dividido, ou seja, no dia em que a convivência
entre ambos termina.
É exatamente aqui que tem relevo e
ganha destaque a discussão acerca do regime bens. Enquanto o casamento cumpre o
fim a que se propõe inicialmente – relação mútua de carinho, companheirismo,
fidelidade, compreensão - os cônjuges pouco se preocupam com as implicações
financeiras daí decorrentes. Entretanto, quando o relacionamento não mais os
interessa e se pretende um rompimento, surgem, aí, com bastante força,
discussões financeiras no seio da família.
É muito comum
que o “meu bem, meu bem” dos tempos felizes seja substituído pelo “meus bens,
meus bens” dos dias de briga. Daí o cuidado que se deve ter com essa escolha do
regime de bens.
São essas regras
do regime de bens que definirão:
a)
se os bens que você e seu cônjuge já possuíam ao casar
passarão a ser comuns aos dois.
b)
ou se cada qual continuará com esses bens como sendo
apenas seus, mas os que forem sendo comprados durante o casamento pertencerão
em comum aos dois.
c)
ou se tanto esses bens anteriores ao casamento quanto os
que forem sendo comprados durante o casamento serão particulares de cada um, em
vez de comuns.
d)
ou se todos os bens serão particulares, exceto
determinado bem (um imóvel, por exemplo) que pertencerá aos dois, em comunhão.
e)
ou se todos os bens serão comuns, exceto determinado
bem, que continuará a ser particular de um dos dois.
Na verdade, são
infinitos os regimes de bens. Nossa lei (o Código Civil) apresentou as
características dos regimes de bens mais comuns, mas o marido e a mulher são
livres para criar seu próprio regime de bens, com regras diferentes daquelas
que estão previstas no Código. A única exigência que a lei faz é que esse
regime de bens criado pelos dois não viole as disposições legais.
O nosso Código
Civil apresenta os seguintes regimes de bens, que já vêm com suas regras
prontas:
a) comunhão parcial;
b) comunhão universal;
c) participação final nos
aquestos; e
d) separação de bens.
Vejamos as
principais características de cada um deles e sua exata localização no Código
Civil.
a)
O Regime da Comunhão Parcial:
O regime da
comunhão parcial está tratado nos artigos 1658 a 1666, do Código Civil, e pode
ser facilmente caracterizado pelos seguintes aspectos:
1)
os bens que cada um deles já possuía ao casar,
continuarão a ser individuais: o que era do marido continuará a ser apenas do
marido, e o que era da mulher continuará a ser exclusivamente da mulher.
2)
os bens que forem adquiridos a título oneroso durante o
casamento serão de ambos, mesmo que comprados em nome de apenas um deles. Se o
marido comprar um carro apenas em seu nome, por exemplo, ainda assim o carro
pertencerá a ele e à esposa, em partes iguais.
3)
os bens que forem recebidos por doação ou por herança, durante
o casamento, serão exclusivos daquele que os recebeu. Assim, por exemplo,
suponha-se que morre o pai da mulher e a mesma recebe a herança: esse
patrimônio herdado do pai será exclusivo da mulher, não se comunicando com o
patrimônio do marido.
4)
também será exclusivo o bem comprado durante o casamento
com o dinheiro da venda de outro bem que era exclusivo. Por exemplo: se a
mulher vende por R$ 500.000,00 um imóvel que era exclusivamente dela (porque já
o tinha ao casar ou porque recebeu por herança) e com o dinheiro compra outro
imóvel, no valor de R$ 400.000,00, esse novo imóvel continuará a ser exclusivo
da mulher.
5)
mas se a mulher vendeu esse imóvel exclusivo por R$
500.000,00 e comprou um outro, no valor de um milhão de reais, em relação a
esse novo imóvel ocorrerá o seguinte: metade dele será exclusiva da mulher
(porque os 500 mil que eram dela correspondem à metade do valor do bem), e a
outra metade será dela e do marido, em partes iguais. Nesse exemplo, portanto,
a mulher ficará com 75% do imóvel, e o marido com 25%.
6)
de modo semelhante ao item anterior, se o marido comprou
um imóvel financiado, para pagar em 100 prestações, e, na época do casamento,
já havia pago 80 parcelas (80% do total), vindo a pagar o restante durante o
casamento, nesse caso ocorrerá o seguinte: 80% do imóvel pertencerá
exclusivamente ao marido, e os outros 20% serão dos dois, em partes iguais.
Neste exemplo, portanto, o marido seria dono de 90% do imóvel, e a mulher seria
proprietária de 10%.
7)
os prêmios ganhos em loteria ou sorteio pertencerão aos
dois, em comum, ainda que apenas um deles tenha jogado. Suponha-se que o
marido, há 20 anos, sempre joga nos mesmos números, nos concursos da loteria.
Um belo dia, já casado, a sorte lhe sorri e o bilhete é premiado. Pois bem,
esse prêmio pertencerá aos dois, em partes iguais, ainda que só o marido tenha
feito o jogo.
8)
uma última regra: pertencem aos dois, em comum, as
benfeitorias e os frutos referentes aos bens particulares de cada um deles.
Assim, por exemplo, suponhamos que o marido seja o dono exclusivo de um imóvel.
Se esse imóvel for alugado, os aluguéis pagos pelo inquilino (os frutos)
pertencerão ao marido e à mulher. Da mesma forma, se forem feitas benfeitorias
(uma garagem e um banheiro extra, por exemplo) e o imóvel se valorizar, essa
valorização será dos dois, do marido e da mulher, embora o imóvel seja apenas
dele.
Não havendo convenção, ou sendo ela
nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da
comunhão parcial.
b)
o Regime da Comunhão Universal:
O regime da
comunhão universal está tratado nos artigos 1667 a 1671, do Código Civil. No
regime da comunhão universal todos os bens que marido e mulher já possuíam ao
casar passarão a pertencer aos dois. Da mesma forma, tudo o que for comprado,
recebido em doação ou por herança por um deles também pertencerá aos dois.
Veja-se que são
duas as diferenças mais importantes, em relação ao regime da comunhão parcial:
em primeiro lugar, os bens anteriores ao casamento serão comuns, o que não
ocorre na comunhão parcial; em segundo lugar, mesmo os bens recebidos por
doação ou por herança, durante o casamento, serão comuns.
No entanto,
existem umas poucas exceções, ou seja, bens que não serão comuns aos dois,
podendo-se destacar os bens que sejam doados ou herdados com a cláusula de
incomunicabilidade e as dívidas anteriores ao casamento.
Assim, se ao
casar o marido tinha dívidas a pagar, essas dívidas continuarão a ser da
responsabilidade exclusiva dele, e por elas não responderá a esposa.
c)
Participação Final nos Aquestos:
O regime da participação final nos aquestos está tratado nos artigos 1672 a 1686,
do Código Civil.
Ao longo do
casamento os patrimônios não se misturam, e cada um deles, marido e mulher, tem
o seu patrimônio individual, formado pelo que já possuía ao casar e pelo que
for adquirido durante o casamento.
No entanto,
quando a sociedade conjugal terminar (pela morte, pela separação ou pelo
divórcio), os bens comprados (adquiridos a título oneroso) durante o casamento
passarão a ser comuns aos dois, devendo ser feita a divisão em partes iguais.
Assim, enquanto
mantida a sociedade conjugal entre marido e mulher, o regime será semelhante ao
da separação, ou seja, os patrimônios são separados, tanto o de antes do
casamento quanto o que vier a ser adquirido em sua constância.
No entanto,
terminada a sociedade conjugal, os bens que tiverem sido comprados durante o
casamento passam a ser de ambos, ainda que comprados em nome de apenas um
deles, ou seja, o regime já passa a apresentar semelhança com o da comunhão
parcial.
A divisão dos bens, diferente da
comunhão parcial, não é feita meio a meio. O cônjuge que participou com mais
recursos para comprar uma casa, por exemplo, pode reivindicar para ficar com a
maior parte. O cálculo é feito caso a caso, de acordo com o investimento que
cada um dos cônjuges fez em cada aquisição durante o casamento (com exceção de
heranças ou doações).
d)
o Regime da Separação de Bens:
O regime da
separação de bens está tratado nos artigos 1687 a 1688, do Código Civil.
Nesse regime
nada se comunica, ou seja, o que o marido e a mulher já possuíam ao casar,
continuará a ser de cada um deles, com exclusividade, não se comunicando com o
patrimônio do outro.
Da mesma forma,
tudo o que for adquirido na constância do casamento, seja por compra, doação ou
herança, será exclusivo daquele que adquiriu, não integrando qualquer patrimônio
comum.
A única
imposição que a lei faz é que os dois, marido e mulher, contribuam para as
despesas do casal na proporção dos respectivos rendimentos, a não ser que
ajustem de modo diverso, o que poderá ser feito no pacto antenupcial.
Assim, por
exemplo, se a mulher ganha o dobro do que recebe o marido, essa mulher deverá
concorrer para as despesas do casal com o dobro da participação do marido, a
não ser que tenham ajustado outra proporção para as respectivas contribuições.
Existe ainda o Regime Matrimonial da Separação Obrigatória de Bens, previsto
no Artigo 1641 do Código Civil
Art.
1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I -
das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da
celebração do casamento;
II –
da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III
- de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Neste caso, os cônjuges conservam o
domínio e a administração dos bens que constituíam seu patrimônio por ocasião
da celebração de seu casamento civil, bem como daqueles que forem adquiridos
com o produto da venda desses bens. Nesse regime de bens coexistem dois
patrimônios distintos, o dos bens particulares do marido e o dos bens
particulares da mulher, cabendo a cada cônjuge administrar seus bens.
A obrigatoriedade de se casarem no
regime da separação de bens foi imposta pelo legislador com a finalidade de
impedir que um dos cônjuges se case com o intuito meramente especulativo,
pensando apenas no patrimônio do outro.
Dos regimes de
bens livremente ajustados
Como dito
anteriormente, o casal pode ajustar as regras que quiser, não estando limitado
pelos regimes de bens que já constam do Código Civil.
Assim, por
exemplo, poderá o casal ajustar que os bens móveis adquiridos na constância do
casamento serão comuns aos dois, mas que os bens imóveis serão exclusivos do
cônjuge que o adquirir. Podem ajustar que os imóveis cujo valor seja superior a
determinado limite será comum a ambos, mas que abaixo desse limite será
exclusivo do que o tiver adquirido.
Ou, ao
contrário, poderão ajustar que os imóveis cujo valor seja superior a
determinado limite será exclusivo do que o tiver adquirido, mas que abaixo
desse limite será comum a ambos.
A única
restrição que marido e mulher terão, nessa ampla liberdade de elaborar as
regras do próprio regime de bens, é que não poderão violar as normas legais.
Assim, por
exemplo, se o regime de bens for o da comunhão parcial, marido e mulher não
poderão ajustar que cada um deles possa vender livremente seus bens imóveis,
sem que o outro precise autorizar.
Da mesma forma,
não será válido o ajuste no sentido de que um deles estará desobrigado de
contribuir para o sustento dos filhos. E assim por diante.
Na realidade,
portanto, são tantas as opções que marido e mulher têm para ajustar o próprio
regime de bens com as regras peculiares que lhes interessem, que não seria
possível listar todas as combinações de regras que eles poderiam ajustar.
Mais importante
do que isso é examinarmos como esses regimes de bens podem ser ajustados, sejam
os previstos de modo específico no Código Civil, sejam os livremente criados
pela vontade do marido e da mulher. É o que passaremos a fazer em seguida.
Para escolher
determinado regime de bens, seja um dos que já estão no Código ou seja para
criar um regime próprio, marido e mulher devem fazer isso por meio de um
contrato. Esse contrato recebe o nome de “pacto antenupcial”, e precisa ser
feito mediante escritura pública, caso contrário será nulo.
De modo mais
claro, os nubentes, antes do casamento, terão que comparecer perante um
tabelião, dizer o que pretendem quanto ao regime de bens, e pedir que isso seja
lavrado em escritura pública.
Se o regime de
bens for um dos que já se encontram previstos no Código Civil, bastará que os
nubentes indiquem o nome que o Código deu a esse regime, sem que sejam
necessários maiores detalhes.
Assim, por
exemplo, se quiserem adotar o regime da comunhão universal, bastará que do
pacto antenupcial conste essa menção à comunhão universal, pois as regras de
tal regime já estão especificadas e detalhadas no próprio Código Civil, e por
isso não há necessidade de serem repetidas no pacto.
No entanto, se
quiserem criar o próprio regime, com suas próprias e específicas regras, nesse
caso será necessário que tais regras sejam detalhadas no pacto antenupcial,
para que se possa saber com clareza o que os dois pretendem.
Uma vez ajustado
esse pacto antenupcial, para que todos possam ter conhecimento do mesmo, deverá
ser registrado junto ao Cartório do Registro Imobiliário, pois caso contrário
não terá efeitos perante terceiros.
É que dependendo
do regime de bens ajustado, isso poderá ter influência na compra e venda de
imóvel pertencente a um dos cônjuges, que poderá precisar ou não da autorização
do outro; poderá influir no patrimônio que será usado para pagar as dívidas
contraídas por um deles, se o patrimônio do casal ou apenas o patrimônio de um
dos cônjuges; etc.
Ou seja, há – ou
pode haver – interesse de terceiros em saber qual foi o regime de bens
escolhido pelo casal, pois essa escolha poderá repercutir em negócios que um
dos cônjuges venha a celebrar com esses terceiros.
Se um dos
nubentes for menor, o pacto antenupcial deverá ser aprovado pelos pais ou
representantes legais, mesmo que já tenham autorizado a realização do
casamento. Explicando melhor: os que têm entre 16 e 18 anos, para casar,
precisam da autorização dos pais. No entanto, mesmo que essa autorização tenha
sido dada, o pacto antenupcial, com a escolha do regime de bens, precisará de
outra autorização, específica para o regime de bens.
Se os nubentes
não fizerem o pacto antenupcial, ou se o pacto for nulo (por exemplo, se não
foi celebrado por escritura pública), então o regime de bens será
automaticamente o da comunhão parcial, cujas regras já vimos anteriormente.
Por isso, se os
nubentes quiserem ajustar o regime da comunhão parcial, neste caso não precisarão
do pacto antenupcial, bastando que, no processo de habilitação para o
casamento, que é obrigatoriamente feito perante o oficial do registro civil,
informem sobre sua intenção.
Na União
Estável, da mesma forma, se os companheiros nada ajustarem em sentido diverso,
serão aplicadas as regras do regime da comunhão parcial. A única diferença é
que, na união estável, basta o contrato por escrito (que pode ser particular)
entre os companheiros, não havendo necessidade de ser feito o pacto antenupcial
por escritura pública.
Da mutabilidade do regime de bens
O Código Civil Brasileiro de 2002
inovou ao inserir no ordenamento jurídico a possibilidade da mutabilidade do
regime de bens, na constância do casamento, desde que preenchidos os requisitos
legais dispostos no parágrafo 3º do artigo 1.639.
a)
vontade
de ambas as partes - não se admite a alteração unilateral do regime de bens;
b)
pedido
motivado e formalizado ao juiz – devem as partes submeterem-se ao crivo do
Poder Judiciário que decidirá por sentença devidamente fundamentada
considerando a conveniência da mudança e restringindo a possibilidade de
fraudes;
c)
sentença
favorável do juiz; e
d)
ressalvados
os direitos de terceiros.
Preenchidos esses requisitos, caberá o
juiz proferir uma sentença que julgará a procedência das razões apresentadas. O
magistrado deve observar a possível existência de fraudes com o intuito de
lesar o interesse de terceiros, de forma que a mudança de regime nesse caso não
poderá ocorrer. Não poderá, entretanto, o juiz adotar critérios extremamente
rígidos para a concessão da medida, sob pena de perder o instituto toda a sua
eficácia.
Deve também haver a averbação da
decisão no registro de casamento, assim como no registro geral de imóveis na
região dos bens envolvidos e do domicílio do casal. Esse registro é para que a
decisão possa ser oposta em face de terceiros.
Do Direito a Habitação
Independentemente do regime de bens,
está assegurado ao cônjuge sobrevivente, no artigo 1831 do Código Civil, o
direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado a residência
a família, desde que seja ele o único a se inventariar.
Da União Estável
A união
estável é definida pelo artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro, nela, o regime
de bens que prevalece é o equivalente ao da comunhão parcial de bens. De acordo
com esse regime, os parceiros têm direito, após a separação e o devido
reconhecimento judicial da união estável, à metade dos bens adquiridos pelo
casal a título oneroso durante o relacionamento.