segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

As obrigações do fiador no contrato de locação


Para a maioria das pessoas, gera desconforto prestar fiança a amigos ou parentes. Não é pra menos. Ser a garantia da dívida de alguém é algo que envolve riscos. Antes de afiançar uma pessoa, é preciso ficar atento às responsabilidades assumidas e, sobretudo, à relação de confiança que se tem com o afiançado. Afinal, não são poucas as histórias de amizades e relações familiares rompidas que começaram com um contrato de fiança.

Prova disso são os casos envolvendo fiança que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Impasses que levaram a uma expressiva coletânea de precedentes e à edição de súmulas. 

A fiança é uma obrigação assumida por terceiro, o fiador, que, caso a obrigação principal não seja cumprida, deverá arcar com o seu cumprimento. 

Ela tem natureza jurídica de contrato acessório e subsidiário, o que significa que depende de um contrato principal, sendo sua execução subordinada ao não cumprimento desse contrato principal pelo devedor.

Entrega das chaves

Em um contrato de aluguel, portanto, o proprietário do imóvel exigirá um fiador, e, até a entrega das chaves, será ele a segurança financeira da locação do imóvel.

Essa “entrega das chaves”, no entanto, tem gerado muita discussão nos tribunais, sobretudo nas execuções contra fiadores em contratos prorrogados, sem a anuência destes.

O enunciado da Súmula 214 do STJ diz que “o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.

No entanto, é preciso ficar atento, por que  se existir no contrato de locação cláusula expressa prevendo que os fiadores respondem pelos débitos locativos, até a efetiva entrega do imóvel, subsiste a fiança no período em que o referido contrato foi prorrogado, mesmo sem a anuência do fiador (AREsp 234.428).

Notificação resilitória

O Código Civil de 2002 também trouxe mudanças em relação à exoneração do fiador. Enquanto o Código de 1916 determinava que a exoneração somente poderia ser feita por ato amigável ou por sentença judicial, o novo código admite que a fiança, sem prazo determinado, gera a possibilidade de exoneração unilateral do fiador. 

Para que isso aconteça, o fiador deve notificar o credor sobre a sua intenção de exonerar-se da fiança. A exoneração, contudo, não é imediata. De acordo com a nova redação da Lei 8.245/91, o fiador fica obrigado por todos os efeitos da fiança durante 120 dias após a notificação do credor. Neste caso, o locador notifica o locatário para apresentar nova garantia locatícia no prazo de 30 dias, sob pena de desfazimento da locação. 

Novo fiador 

Além dos casos de exoneração, o locador também pode exigir a troca do fiador nas seguintes situações: morte do fiador; ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador declarados judicialmente; alienação ou gravação de todos os bens imóveis do fiador ou sua mudança de residência sem comunicação do locador e também ao final de contratos por tempo determinado. 

Outorga uxória 

O locador também deve ficar atento às formalidades da lei no que diz respeito à outorga uxória do fiador. A outorga uxória é utilizada como forma de impedir a dilapidação do patrimônio do casal por um dos cônjuges. Por isso, a fiança prestada sem a anuência do cônjuge do fiador é nula. É exatamente daí que vem o enunciado da Súmula 332 do STJ:

“Fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.”

No julgamento de Recurso Especial 1.095.441, no entanto, a Sexta Turma relativizou o entendimento. No caso, o fiador se declarou separado, mas vivia em união estável. Na execução da garantia do aluguel, sua companheira alegou a nulidade da fiança porque não contava com sua anuência, mas os ministros entenderam que permitir a anulação seria beneficiar o fiador, que agiu de má-fé. 

Fiança e morte

A outorga uxória vincula o cônjuge até mesmo com a morte do fiador. De acordo com a jurisprudência do STJ, a garantia, que foi prestada pelo casal, não é extinta com o óbito, persistindo seus efeitos em relação ao cônjuge (REsp 752.856). 

O mesmo não acontece, entretanto, se o locatário morre. Antes da alteração da Lei do Inquilinato, os débitos advindos depois do falecimento, não eram direcionados ao fiador.

Com as alterações de 2009, o fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de 30 (trinta) dias, contado do recebimento da comunicação do falecimento, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.

Benefício de Ordem 

Se, todavia, nos embargos à execução não puder ser invocada a ausência de outorga uxória ou mesmo a morte do locatário, poderá o fiador lançar mão do Benefício de Ordem.

O Benefício de Ordem é o direito que se garante ao fiador de exigir que o credor acione primeiramente o devedor principal. Isto é, que os bens do devedor sejam executados antes dos seus.

No entanto, o fiador não poderá se aproveitar deste benefício se no contrato de fiança estiver expressamente renunciado ao benefício; se declarar-se como pagador principal ou devedor solidário; ou se o devedor for insolvente ou falido.

Não adianta nem mesmo alegar que a cláusula de renúncia é abusiva, como foi feito no Recurso Especial 851.507, também de relatoria do ministro Arnaldo Esteves de Lima.


Bem de família 

É importante atentar também que, uma vez assumida a obrigação de fiador, não será possível alegar impenhorabilidade de bens na execução, ainda que se trate de seu único imóvel, ou seja, o bem de família.

Foi o que aconteceu no julgamento do Recurso Especial 1.088.962, de relatoria do ministro Sidnei Beneti. No caso, o tribunal de origem considerou o imóvel como bem de família e afastou a penhora, mas o acórdão foi reformado.

Destaca-se que o Supremo Tribunal Federal, em votação plenária, proferiu julgamento no Recurso Extraordinário 407688, segundo o qual o único imóvel (bem de família) de uma pessoa que assume a condição de fiador em contrato de aluguel pode ser penhorado, em caso de inadimplência do locatário”, justificou o ministro. 

A medida está amparada no artigo 3º da Lei 8.009/90, que traz expresso:

“A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movida por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”

No julgamento do Recurso Especial 1.049.425, o ministro Hamilton Carvalhido, relator, chegou a manifestar sua opinião sobre a inconstitucionalidade da lei, mas, diante do entendimento do STF que considerou constitucional a penhora e da jurisprudência do STJ, votou conforme o entendimento firmado, mesmo sem concordar.

Eu discordo do entendimento do ilustre relator, se o fiador deu em garantia o seu único bem, deve referido imóvel ser descaracterizado como bem de família e deve ser sujeitado à penhora para satisfação da dívida afiançada, sob pena de ferir o princípio da Boa Fé Objetiva, contemplado expressamente no Código Civil Brasileiro.

Sobre a boa-fé objetiva, bem escreveu Cláudia Lima Marques

"Efetivamente, o princípio da boa-fé objetiva na formação e na execução das obrigações possui uma dupla função na nova teoria contratual: I) como fonte de novos deveres anexos; e 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos".

É neste sentido que leciona Luis Renato Ferreira da Silva, considerando que

"a regra da boa-fé objetiva implica numa série de efeitos que podem ser esquematicamente resumidos a) no controle corretivo do Direito estrito, b) no enriquecimento do conteúdo da relação obrigacional; e c) na negação em face do postulado pela outra parte. Todos estes efeitos se produzem a partir de critérios objetivo e não baseados na subjetividade do intérprete e do aplicador da lei. “

É importante que se tenha presente a noção de boa-fé dentro de critérios objetivos. Procurando a boa-fé nas intenções subjetivas dos contratantes, entraríamos no campo da moral interna destes, local onde estão localizados sentimentos de difícil medida e constatação por terceiros.

No que tange ao princípio da boa fé temos também o ensinamento de Renata Mandelbaum onde

“assim, através da aplicação dos princípios que regem a nova realidade contratual, busca-se a segurança jurídica, mas não através da liberdade contratual, onde imperava a supremacia da "palavra dada" (pacta sunt servanda), mas através da tutela da confiança e da boa fé, banhados pelo princípio da justiça contratual.”


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